Companheiro, aqui estou!
Por Alexandre Honrado
Gosto desta palavra: companheiro.
Fazer companhia é uma arte subtil, é preciso saber como fazê-lo, isto é, parcimoniosamente, sem atropelos, sem dar demasiado ou sonegar em demasia, respeitando. Dar sem esperar receber, ou receber inesperadamente uma dádiva que, inconscientemente, era o que mais precisávamos. (Uma golfada de afeto para o coração funcionar a plenos pulmões? Ou esta é uma frase suficientemente confusa para saltar por cima?).
Há companheiras e companheiros para a vida e repare-se que não falo apenas de seres humanos, incluo na lista animais e algumas imaterialidades, como as que, pertença do imaginário, da ficção, da crença acabam por ficar connosco, inseparáveis, e às quais recorremos em momentos de evocação ou necessidade.
Neste âmbito vasto dos companheiros imateriais, há que contemplar a força da companhia espiritual e religiosa que alguns encontram em ídolos, ícones, deuses e ideias.
Precisamos de companhia – de companheiros. Essa é a verdade. E ficamos por vezes surpreendidos com dádivas e generosidade de desconhecidos que fazem um parêntesis nas suas vidas, por vezes tão carentes, ou mais, do que as nossas para ficarem simplesmente perto de nós, fazendo-nos companhia.
Há um conto de Jorge Luís Borges em que um jovem se senta ao lado de um velho, num banco de jardim, conhecendo-se e reconhecendo-se: afinal são a mesma pessoa em décadas diferentes. É talvez um hino ao mais extremo do conceito de companheirismo: o podermos ser companheiros de jornada de nós mesmos, acompanhando o que fomos com a renovação do que somos e vamos sendo.
Os tempos, tal como se vive a atualidade, retiram do quotidiano o espaço para o companheirismo. Esse conflito entre espaço e tempo é uma das armadilhas criadas pelo ser humano. Se o tempo é uma abstração, uma convenção, o espaço parece concreto – duas pessoas só virtualmente ocuparão o mesmo lugar e a ubiquidade, grande conquista das narratologias antigas, hoje só se consegue com a computação (denominada ubíqua ou pervasiva), e depois da formulação, nos anos 90, do termo, feliz na sua originalidade, utilizado originalmente por Mark Weiser e que se refere à presença direta e constante da informática e da tecnologia no dia a dia das pessoas, retirando, de forma prosaica, materialista e fria, aquele encantamento que parecia coisa exclusiva de poetas, santos, deuses e extraterrestres, capazes de algumas histórias surpreendentes e encantatórias.
Quando oiço falar da heroicidade dos que têm trabalhado no Serviço Nacional de Saúde, destaco sempre a generosa capacidade de companheirismo demonstrado em atos e dádivas do melhor de si à vida dos outros. E reparem que desconhecemos a maior parte das histórias e dos acontecimentos.
Não proponho medalhas, mas um pensamento. Que ao pensarmos neles os tomemos pelos companheiros mais presentes, protagonistas anónimos de uma época de isolamento e amargura que acabará, mais cedo ou mais tarde, por ensinar-nos alguma coisa.
Alexandre Honrado
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